Imagem acima: cafeigravura

domingo, 30 de maio de 2010

Um plano


Já estás rindo?
Pois gargalhes se faz sentir-te superior.
Levantes as sobrancelhas com desdém,
Mas não te esqueças de roçar a língua nos den-
tes num gesto de sensual comiseração.

Paraste satisfeito,
Transbordando a consciência?
Prossigo então, contando.
Contudo
Peço que não me interrompas mais,
Pois me enervo e me distraio e
Não preciso que me traias.

Tua risada despropositada serviu-me ao menos
De estímulo a propósito e iluminou o depósito
Caótico, a minha mente.

Mostra que cavei fundo na resolução do enigma
Arremessado como uma lança contra mim por Deus
Que contra mim está.

Vejas lá e não rias de novo. Sim,
Deus que até então era apenas discurso, assim
Eu entendia, empalou-me a alma com sua brincadeira,
Teste, provação ou peça, como queiras.

Teu riso desconsidera minhas palavras
Pois me conhecias como ateu de carteirinha
Com foto três por quatro e atuação subversiva.

Te advirto

Ele não apenas existe como não somente observa,
Mas intervém segundo a visão do todo, do Homem,
Mas também do insignificante particular,
Um homem.

De seu canto, de todos os cantos
Resolveu chamar-me a atenção,
Ou ensinar-me, ou punir-me.
De que outra forma entender a minha sorte?

Dou-me agora o direito de rir.
Mais uma vez peguei na mão errada,
Teimei em subir o rio agarrado aos juncos.
Pois o cristão que perde alguém
Também perde a cristandade,
Mergulhado em revolta.
Eu perdi minha cristã, mas adquiri cristandade
Como uma sequela do trágico acidente,
Atrevo-me a dizer atentado
Daquele que não deve tentar ninguém.

Tanto é verdade que estou aqui
Conversando contigo, não?
Traumatismo cristão,
A causa do meu coma irreversível.
Pois não vivo mais, apenas vegeto,
Ou antes, apenas penso ou sonho.
Mas planejo.

Digo-te que algumas ideias surgiram
Como formigamentos no dedão atrofiado.
Coceiras no interior do umbigo.
Pontadas por trás dos olhos.

De alma atada, já que mãos não as possuo mais.
Cego de ódio e espumando más intenções.
Desejos de ponta a cabeça, o avesso do que amei.
Lembrança daquele corpo inerte,
Seu cheiro putrefato impregnado em toda roupa
Que ainda vestirei; seu gosto amargo
Em tudo que jamais provarei.

Tanta ponderação e eis a solução:
A Ele meus mais sinceros devaneios.
Cultivarei a inércia, o vazio,
Meu jardim já não florescerá
De solo rachado e seco.


De que adianta a ubiquidade para o obtuso
A onisciência para o inconsciente
A fé para quem nada espera?

Seja feita a vontade Dele e a tua.
Vejo tuas lambidas sobre meu plano.
O golpe de espírito que presencias te excita
Pois me aguardas todo teu.

Te advirto

De que te serve a alma opaca?
Teu alimento é a ruína, mas pode degradar-se
O que não entende moral por ser incapaz de conceber
O que seja possível de ser concebível?
Agora eu rio de ti.

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