Imagem acima: cafeigravura

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Cecília


Ao teu pranto que desperta
Uno minhas lágrimas de amor
Levadas a ti pelo mar em festa
Que nos afasta, mas não separa
Pois há um pouco de mim
Em tua essência
E há muito de ti, sobrinha
Em meu coração.

Carona


As nuvens cinzentas
Te levam mais longe
Menina
Que os ladrilhos
D’um céu noturno.

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

Veredito


Ao ver uma borboleta amarela
Morta sobre a areia
Um menino esperneia:
-Foi o mar que matou ela.

Amorto


Nó de corda rota
Em tronco podre
Cheio de veios velhos
De cupins extintos
Perecem abraçados
Seus restos retintos
Berço de orelha-de-pau.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Cedo


Nuvens mais velozes
Que lamentos cegos
Íris cinzentas sobre telhas
Manchadas de folhas.

O ar de menta rebate
Na cara polida de metal
Imberbe qual verme
Entranhado na nuca
Mordida por músculos
Tensos após o som
Cristalino de vidro partido.

Musas (IV)


A raiva como musa
Que paira sem escusa
Sobre mente obtusa.

domingo, 15 de agosto de 2010

Gatos (VIII)


O gato anda na ponta da pata
Macia sem som sem erro
Com receio
Seu pelo fino leve no ar cheio
Após o pulo pro alto deita
Em seu poleiro.

Gatos (VII)


Ainda bem cedo
O sol nina o gato
Ao som dos bem-te-vis.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Requentado


I

Toda noite à mesma hora
Os pássaros em seus galhos
Novas folhas entre as folhagens.

Cães e porcos disputam no grito
Os recheados sacos de lixo
Corpos de estranhos mutilados.

Os trabalhadores silenciam
As máquinas, exceto as tevês
Seus gritos de recém-nascidos.

II

Ao suor urbano mesclam-se essências
O cheiro da noite não lembra flores
Chuva, madeira, frutas ou ferro
É cheiro de lua, de estrelas e cometas
Botões que desabrocham na escuridão
Pólen brilhante
Infinito e distante.

III

Alho, cebola e manteiga
Roçam o olfato e minam saliva
Casas tornadas perfumarias
Essências de sentimentos
Alquímicos alimentos.

Carinho, sopa de sorver desejo
Não tão quente, aos bocados
Amor, pão de miolo algodoado
Ninam a alma e o estômago fraco.

Rancor fermentado em bule frio
Bebida rascante como unhas
Desce queimando
Veneno que mata mansinho
Adormecendo.

IV

Toda noite à mesma hora
Contempla o chão respingado
Os móveis congelados
Os quadros embaçados pela janta
A cadeira em frente interrogativa.

Ouve a rua, os vizinhos idos
O empurrão do vento nas folhas
Que se torna tapa e termina em afago
Um pássaro em chamas pia
As fuligens rabiscam a janela.

No silêncio a própria respiração
Aperta a garganta com dedos finos
O peito espeta e os olhos pesam.

sábado, 7 de agosto de 2010

Botânicas (II)


À trepadeira não há limites
Sobre o solo trança a esteira
Serpenteia entre troncos
Estende a teia entre ramos
Para capturar flocos de luz.

Breves(XII)


O fio de Ariadne dá várias voltas
Para respeitar as mãos
Dos labirintos estreitos.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Haicai livre (IX)


Céu azul imaculado
O caminho é longo
O suor salgado.

Moscas voláteis


Cristais macios
Flutuam nos olhos
Expostos à luz
Candente do ferro
Marcada nas pálpebras
Como nebulosas
Ágeis num universo
Em fração de segundo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Mr. Scrooge c'est moi


Após o interruptor
Ineficazes
O trinco na porta
O casulo de lençol
O velar do cônjuge
O sono comprimido.
São teimosos os fantasmas
Dos dias passados.

Autobã


Enquanto lia,
A décima freada do dia
Desviou minha atenção para estrada lá embaixo
Toda riscada de carro e carimbo forte de pneu
Marcando sucessivos momentos
De suspense fatal.

E o som alto de um vidro negro berrava histericamente
Os dissonantes do que já foi o inverso e o inteiro
Do que era tocado agora,
Lembrando o movimento repetitivo e agonizante
De disco arranhado
Que rege a mente em noites insones.