Imagem acima: cafeigravura

domingo, 27 de junho de 2010

Mote de fábula


Nem confirmação do livre arbítrio,
Quiçá a curiosidade inerente ao homem.
A tentação de uma trilha no meio do mato
Reside na frustração dos caminhos já picados.

Logro solitário


No meio da rua em Copacabana
Um ronin desnudo e embriagado
Agita, enfurecido, a sua katana
Contra seu agressor motorizado.

sábado, 26 de junho de 2010

Anúncio


Azeitados
Apimentados
Especiais
Bolinhos de bacalhais.

Oitavo dia


Nas trevas inesperadas
Da garrafa faz-se castiçal
E com grandes goles
Fiat lux!

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Presente


                                Para Lud, para sempre.

Num mundo fabricado
Onde as relações são efêmeras
E se apagam em amnévoa
Onde quase tudo é perecível
O resto sendo lixo radioativo
Uma vida que nega certezas
Insegura da maior de todas elas
Vê noutra vida a chance de eternidade
A união que desce o rio até o mar
Segura daquilo que não se pode rimar
Com dor
Mas há de ser livre como os versos sinceros.

Anteconcreto


As nódoas de barro
Espalhadas pela torrente
Fazem vir à mente
Que nem sempre
Houve concreto.

Haicai livre (VI)

Chuva incansável
Pingos de musgo
Aderem aos telhados.

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Contrato social


Ao longo do dia
O varal revolta-se
Contra a rotação da Terra
Roupas de baixo
Tremulam ao vento
A intimidade demarca
A propriedade privada.

Breves(IX)


Pobre relógio empalado.
Crava três em ponto
Sua sombra adiantada.

domingo, 20 de junho de 2010

Risco


Teu olhar de desprezo
Não o pombo empoleirado na estátua
Mas ignorante do risco
Como cão deitado no meio da estrada.

0:39


Meia-noite e trinta e nove.
Aos poucos 
a névoa acumulada
nas pálpebras
escorre
para os olhos
as coisas
              desvanecem encobertas
                                                   até a alma assustar-se
e devolver-lhes o contorno.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Bom dia!


Meu dia só inicia
Com o vislumbre
Da cara amassada
De quem escalou
Sonhos e preguiça
A sorrir bom dia!

Mergulho


Líquens carnudos mancham pedras
Raios mornos evaporam na água fria
Sete metros para apalpar o medo.


Num pulo
                 Flutuo
                             Sobre a expectativa

Lá embaixo
Incapaz de alcançar-me.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Haicai livre (V)


Tarde abafada por nuvens.
Em algum lugar
Chove feliz.

Espera


A espiral negra
Sobre mármore ferruginoso
Sustenta o peso
De uma folha marcada
Por incandescentes riscos brancos.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

À primeira vista


Artérias chicoteadas no calor dum azul
Abrasivo e claro peso de luz
Raízes incisivas
Facas de trocentos gumes perfuram
As camadas maciças de acumulada
Insensibilidade despertas a cada golpe.


Sentidos opostos sôfregos de vida
Como um coração espirra para todo
O corpo o desejo
E faz vibrar a ausência que provoca
Romance.

Reminicências


Sob a fina camada de poeira numa mesa
Desaparecem as impressões dos objetos
Já alguma vez ali pousados.

Tal como ao deixarmos o mundo,
Nossas marcas desvanecerão.
Não cobertas por uma névoa de esquecimento,
Mas dissolvidas naqueles a quem a poeira ainda cobrirá.

terça-feira, 15 de junho de 2010

Breves(VIII)


Raios de sol
Gotas de lua
A ferrugem não dorme.

Rima dor


A dorzinha bonita de poesia
Não é jogar sal em afta.
Paixão pelo sofrimento
E riso doloroso.

É desejo de vazio a ser ocupado
Sem ser preenchido.
A incompreensão que expõe o enigma
A ser desvendado em uma vida.

Reler, reler, reler, ler
Repetidas vezes
Versos que se embaralham
Em combinações de sentidos infinitas.

É inefável tal dorzinha
Apenas perceptível num espanto
Que leva Roland Barthes a bradar:
“É isto!” e se calar.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Gatos(IV)


À noite
Todos os gatos
São artistas.

Equilibristas
Pisam o ar ao invés
De muros e telhados.

Dançarinos
Dão seus pulos secretos
Ao ritmo do silêncio.

Músicos
Compõem óperas rascantes
Indiferentes ao gosto do público.

Poetas
Declamam a intimidade sedutora
Com olhares e ronronares.

E se fustigados
Possuem sete vidas plenas
Pois o show não pode parar.

De repente


O poético às vezes explode inusitado
Do encontro de versos desconexos
Como surge a melancolia
Ao flagrarmos um casaco pendurado
Num violão.

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Arde-te


Dos pequenos poemas da natureza
A lagarta é dos mais irônicos,
Pois na intensa relação com a arte
Ela troça do que é tão belo que arde.

Mundo carro


Dizem ser a buzina
A mijada do automóvel
Demarcadora de território.

Mais incisiva é a freada,
Latido de fúria e desespero
Nas disputas de matilha.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Cárcere


Debaixo de um sol áspero
Entre navalhadas de automóveis
Aos brados de uma britadeira
Alguém perfura uma rota de fuga.

Breves(VII)


Sentindo-se mal,
Um ônibus urra de dor
E vomita dezenas de passageiros.

terça-feira, 8 de junho de 2010

Milésimo


Por um longo instante
Um beija-flor flutua diante
Da janela fechada

Observamo-nos com receio,
Ele de mim,
Eu do vidro.

Breves(VI)


Festa animada por copos e vozes.
Olhares apaixonados se encontram
Na encruzilhada de um beijo.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Gatos(III)


O ronronar de um gato
Lembra um diapasão
À freqüência emitida
Afinamos o coração.

Sillyvisionache


Os fios tensos dos postes
Suportam o peso dos prédios
Mantendo a civilização de pé.

Seria mais divertido
Se fossem frágeis amarras
Que ao serem cortadas
Fariam flutuar a cidade
Cheia e leve como um balão.

terça-feira, 1 de junho de 2010

Indefinição


Melhor definição:
Escrever como catar feijão,
Segundo João Cabral.

O papel é liquido;
Palavras bóiam ou afundam
Sem transbordar.

Trabalho paciente,
Criterioso
Mas sem sobressaltos.

Minha indefinição:
Escrever como martelar
Um prego na parede.

A superfície tão dura,
Que entorta palavras
Quando não as derruba.

Indecisos golpes,
Sempre receoso
Em acertar o dedo.