Imagem acima: cafeigravura

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Imigrante


O carrapicho
Em seu capricho
Não desgruda da saia
Roda com a menina
Nada faz com que caia
Não quer voltar à campina.

Patrimonialismo


Não há quem escute
As histórias na rua
O público prefere
Tornar-se privado
Beber quieto, na sua.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Paraty


Em um dia
A chuva estala
Sobre pedras eras
A água engole
Ruas centenárias
Canais paralelos
Desejam o mar.

Natureza morta

A flor seca num copo
De água amarga
Há muito exala
Poeira de barro.

sábado, 24 de julho de 2010

Gatos(VI) ou haigato


Sobre um muro em ruínas
Um gato
Devora-me.

Alice


Rosamente
Em cores quentes
A volúpia
De pétalas castas
Atiçadas
Pelo odor vulgar
Que faz Alice
Espirrar.

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Obra


Andaimes cercam a expressão
Deteriorada pelo equívoco
De voltar-se ao interior, oco
Enquanto lá fora, em cada vão,
Escondem-se palavras imantadas
Friccionadas sob o manto do artesão
Seu brilho torna o prédio opaco
Desabam as vigas num estouro
Metálico que rasga o couro.

Gatos(V)


A pata por debaixo da porta
diferente do arquiteto
o gato só conhece o espaço aberto.

Não importa o quão estreito
o gato se dá ao direito
de vislumbrar por inteiro.

domingo, 11 de julho de 2010

aiai


O ânimo se esvai.
Nem sempre três versos
Formam um haicai.

Breves(XI)


Um copo de plâncton
Bem batido
Para quem tirou os sisos.

Não fale ao telefone


Chicote de luz
Inspira o medo
Preso num hiato

A corrente de alfinetes
De pontas cegas
Em grossos filetes

O som imponente
Afeito ao tato
Estoura no peito
Ferem os estilhaços

Repetidos golpes de sorte
Reféns da ansiedade
Que a si própria conduz
Ao impor-se a tempestade.

sábado, 10 de julho de 2010

Haicai livre (VIII)


O sol da manhã
Lapida pequenas esmeraldas
Nos ramos das árvores.

Interlúdios (II)


As paredes noturnas
Lentamente se tocam
Estreito cubo hermético
De ansiedade concentrada.

sexta-feira, 9 de julho de 2010

Edgar que ali pôs


Num dos milhares de rostos
Esculpidos na Notre-Dame
Vejo o meu, cuspido escarrado.

Ao anoitecer indeciso sobre o cume
A igreja tem as cores alteradas
E suas sombras trocam de lugar.

Da fachada ecoam sussurros
Suspiros em brisas pela praça
Um silvo corta o céu negro.

As gárgulas sorriem sob a noite
O branco reluzente das presas
O sorriso de raiva e fome.

Ouço o concreto se partindo
Algo se desprende e despenca
Absurda ausência se revela.

A queda emenda num vôo ligeiro
Sob sereno, inevitável o encontro.
Como será o hálito de uma gárgula?

Interlúdios (I)


Vira pr’um lado vira pr’outro de bruços
Olhos fechados apertados
Ouvidos abafados pulsantes
Mente seca engasgada
Com repetidos instantes.

Vira pr’um lado vira pr’outro de costas
Peito achatado pelo escuro
Coluna colada no lençol
Zumbido elétrico nos ouvidos
A certeza de que virá o sol.

Casulo


Engarrafe a paciência
Em ar refrigerado
Sob um véu fumê
Esconda a humilhação
De desperdiçar tantos cavalos.

terça-feira, 6 de julho de 2010

Haicai livre (VII)


O entardecer nas copas
Incontáveis pássaros
Cantam espaços.

Literatura comparada


Leia um romance
Qualquer o título
E me conte o que achou
Do último capítulo.

Te lembra o nosso
Ou é mais alegre
Mesmo terminando em morte?

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O sol

Nos desenhos de criança o sol sempre sorri.
Mal sabem elas que o pobre astro chora baixinho à noite
Debaixo das cobertas.

Breves (XI)

Desejo infantil do pé-de-maracujá.
Querer tocar o sol tal como uma criança
Prende a lua entre os dedos.

Aposta

Uma árvore isolada no meio do pasto,
Lá longe, no alto do morro.
A última a chegar é mulher de poeta.

Súplica

Antes testa do que nuca
Alvo de teus desaforos
Fora a goela cheia de choro
Torrente que teima em sair
Quente
As orelhas torradas de orgulho
Prefiro de frente enfrentar teu ódio
Assim peço
Senão tropeço
E temo não levantar nunca.

domingo, 4 de julho de 2010

Botânicas


Com cuidado arranque a dor
Do indomável jardim
Esporos agressivos
Provocam o espirro assim
Como a comigo-ninguém-pode
Insulta os volantes e a flor
De odor adocicado
Deixa o ar nauseabundo
Melancolia colhida da horta
Plantada sobre chão imundo
Enquanto a esperança agarrada
Ao galho mais alto aguarda
A poda.

***

A paineira como matéria-prima
Das noites de domingo
Da paina
Faz-se travesseiro
Com os galhos monta-se
A cama.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Insulto


A lua borrada, respingada de sujeira
Glaucoma celeste, indigna
Do brilho esforçado de estrelas extintas.

Breves(X)


Nas vias urbanas
O venoso e o arterial
Definidos em verde e vermelho.